Viver é muito perigoso.
Porque ainda não se sabe.
Porque aprender-a-viver
é que é o viver, mesmo.
João Guimarães Rosa
por André Camargo
Eu cresci entre a segunda metade dos anos 70 e o começo dos 80. Bons tempos! A gente assistia ‘As Panteras’, ‘Chips’, ‘O Elo Perdido’ e ‘Sítio do Picapau Amarelo’.
Também tinha ‘Os Trapalhões’, Xuxa, Balão Mágico e Menudo, que é melhor nem comentar. No domingo, era Silvio Santos o dia inteiro. À noite, já tingido pelo clima da segunda, Fantástico, o show da vida.
Mais tarde, a gente ouvia RPM, Titãs, Kid Abelha, Blitz, Ultraje a Rigor, Paralamas, Legião. Vimos surgirem o telejogo Philco, o Atari e o Odissey, e jogamos Pac-Man, Super Mario Bros, Enduro, River Raid e Donkey Kong.
Não existia internet.
Andávamos de Fusca, Chevette (GM) e Corcel (Ford). Passávamos as férias no Rio de Janeiro, em Sorocaba ou em Caraguá.
Meu pai se orgulhava de sua máquina fotográfica, a clássica Olympus Trip 35, e depois fazia uns slides que a gente assistia projetados na parede, com a luz apagada. Aquilo era uma coisa meio mágica.
Minha memória não é nada boa. Eu me recordo da infância em flashes embaçados amalgamados a fotos, slides e histórias da família que contaram sobre mim.
Mas eu sei que foi assim, aquela época: eu era querido entre as crianças, as professoras, nossos familiares, os pais dos meus amigos e os amigos dos meus pais, uma criança inteligente e afetuosa, arrojada, responsável e comunicativa, que sempre tirava notas altas na escola, era bom de futebol e conquistava medalhas no judô. Aquele era o meu mundo e nele eu prosperava.
Os primeiros sinais de mudança sobrevieram mansamente, como nuvens de chumbo na periferia da visão. E eu não percebi.
Primeiro as meninas, depois os meninos, todos cresceram.
Vieram os bailinhos com música lenta, ao som de George Michael, Donna Summer e, alguns anos mais tarde, Your Latest Trick, do Dire Straits.
Mudaram os interesses, as brincadeiras, as piadas, os rituais, a voz e o corpo. De repente as paqueras, dançar coladinho, os primeiros beijos e namoros, enquanto eu seguia estranho a tudo aquilo, baixinho, meio gordinho e de óculos quadrados, usando um corte de cabelo escolhido pela minha mãe.
Descobri que quando todos os seus amigos estão virando adolescentes, uma criança fofinha é a pior coisa que você pode ser.
Então me vi mergulhado em um universo cujas leis não compreendia. Minhas piadas não funcionavam mais e não tinha ninguém com quem eu pudesse conversar sobre me sentir estranho, triste e sozinho. Afinal, eu era um menino que não dava trabalho, ganhava medalhas e sempre tirava notas altas.
Minha estréia na puberdade foi tipo ser arrancado do sofá de casa por uma pinça cósmica e arremessado na órbita de Saturno. Onde ainda passaria um bom tempo.
De lá para cá, muita água rolou por baixo da ponte. Hoje eu tenho dois filhos e aprendi com a vida umas coisas que fiquei a fim de compartilhar. Espero que, de algum modo, sejam úteis para você.
1.
De uma hora para outra, tudo muda. E quando tudo muda, não tem como voltar atrás.
2.
Todo ser humano precisa aumentar sua familiaridade com os próprios sentimentos e aprender a falar sobre eles.
Em contrapartida, todo ser humano precisa aprender a ‘escutar’ os sentimentos das outras pessoas.
É assim que nos tornamos… humanos.
3.
Se pretendemos amadurecer, precisamos reconhecer quando temos reações infantis para poder examiná-las à luz do que já vivemos e aprendemos desde que deixamos de ser crianças.
4.
Com frequência, não são os outros que rejeitam você; é você que tem dificuldade de enxergar valor em si mesmo/a.
Aí acaba provocando rejeição.
5.
Se você sente vergonha de quem é, isso não quer dizer que você não é bom/boa o bastante; é provável que, em algum período importante do começo da sua vida, você não tenha recebido a atenção e o cuidado de que precisava.
Quando viramos adultos, no entanto, já era: a gente precisa aprender a lamber as próprias feridas.
6.
Diferentes tipos de terapias, psicanálise, psiquiatria e caminhos espirituais podem ajudar muito pessoas em sofrimento.
Com frequência, porém, as pessoas que mais precisam de ajuda são as que acham que não precisam.
7.
Há mudanças na vida que talvez levem muito, muito tempo e exijam muita perseverança para acontecer.
As coisas podem não mudar tanto quanto você gostaria, nem na velocidade que você gostaria.
Mas, quando se trata de quem você é e da sua contribuição para o mundo, mesmo pequenas mudanças podem fazer toda a diferença.
8.
A relação mais íntima e importante que você pode ter é com você mesmo/a. Nem com seus pais, irmãos e filhos, nem com seu parceiro/a ou melhor amigo/a. Com mais ninguém.
Paradoxalmente, uma relação de intimidade consigo mesmo/a aproximará você do mundo e das pessoas mais que qualquer outra coisa.
9.
Se o seu navio naufragou à noite em meio a uma tempestade e você está sozinho/a com frio no mar escuro, flutue. Aguarde.
Se está tudo ruim na vida, foque apenas em continuar respirando.
10.
Se você, ou qualquer outra pessoa, é arrogante e se acha superior aos outros, isso é um lance inconsciente compensatório, que encobre os sentimentos verdadeiros.
Se você ou outra pessoa se diminui diante dos outros e se considera inferior, isso também é uma forma de arrogância. Ou de desespero.
Em qualquer caso, o melhor é uma atitude de genuína compaixão com quem precisa lidar com sentimentos amargos de insegurança e baixa auto-estima. Inclusive se essa pessoa for você.
11.
Tornar-se adulto/a é algo mais que completar 21 anos. Pode acontecer a qualquer tempo — ou nunca.
A porta de entrada para o mundo adulto é deixar de se comportar como vítima, chamar a responsa e tomar a vida nas próprias mãos.
12.
Com frequência, as coisas só vão fazer sentido muito tempo depois.
Deixe sua história de vida falar.
13.
Quando um ambiente ou uma relação só traz à tona o que você tem de pior, melhor sair fora.
Duas pessoas agarradas uma à outra em desespero juntas se afogam.
14.
Você não pode ajudar uma pessoa que não quer ser ajudada. Isso inclui você mesmo/a.
15.
Se você sente que o que está fazendo não tem nada a ver com você, pare. Vá fazer outra coisa.
Poucas coisas são tão desesperadoras quanto desistir de si mesmo/a.
16.
Com frequência, o modo como as pessoas te tratam não tem a ver com o que pensam a seu respeito, mas com a história de vida delas e com o que está acontecendo com elas naquele dia.
Para o bem ou para o mal, você não é o centro do mundo de mais ninguém.
17.
Com frequência, o que você acha que as pessoas pensam e sentem a seu respeito é o que você pensa e sente a seu respeito.
18.
Mesmo que só dê merda, melhor ser quem você é, fiel a seus sentimentos e necessidades, do que tentar agradar ou imitar os outros.
Quando deixamos de nos proteger por trás de máscaras, permitimos que o atrito com a realidade nos transforme. Ainda que a gente passe um tempo em carne viva.
19.
Se você estiver numa balada psicodélica, olhar para o lado e achar que todo mundo está olhando para você, aí de repente o rosto das pessoas começa a derreter e elas começam a se transformar em monstros, não saia correndo desesperado/a atrás da ambulância, certo de que ela é um portal entre dois mundos. Procure respirar lenta e profundamente.
Em algumas horas, o efeito passa.
imagem: Alexandr Ivanov
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