PRÓLOGO
Como o conhecimento da nova física poderá iluminar nossa compreensão da vida diária, ajudar-nos a entender melhor nosso relacionamento com nós mesmos, com os outros e com o mundo como um todo.
Colocar o ser humano no contexto quântico, é tema central desta série,pois esse é o modo de se sobrepujar essa forma particular de alienação que infestou a vida destas últimas décadas. Tal sentido de alienação vem da sensação de que nós, seres humanos, somos de certa forma estrangeiros no Universo, meros subprodutos acidentais de forças evolucionárias cegas, e sem nenhum papel especial a desempenhar no esquema das coisas; sem nenhuma relação significativa com as inexoráveis forças que impulsionam o mundo maior da matéria bruta e insensível. Para desenvolver este tema, estaremos examinando bem de perto o relacionamento entre matéria e consciência dentro da teoria quântica, assim como propondo uma nova teoria mecânico-quântica da consciência que promete nos trazer de volta a uma associação com o universo.
COMEÇANDO EM PLATÃO
As raízes desta alienação estão fundo em nossa cultura, chegando, no mínimo, até a filosofia de Platão e sua distinção entre o âmbito das idéias e o mundo da experiência dos sentidos, e passando pelo Cristianismo, que denegriu o corpo em favor da alma. No entanto, de comum acordo, as influências mais poderosas sobre nossa cultura moderna derivam da revolução filosófica e científica do século 17, do cultivo da dúvida cartesiana e do nascimento da física newtoniana ou clássica. Ambas mudaram radicalmente o modo como vemos a nós mesmos e nossa relação com o mundo. A filosofia cartesiana arrancou os seres humanos do contexto religioso, social e familiar e lançou-os de ponta-cabeça no que chamamos de “cultura centrada no eu”, uma cultura dominada pelo egocentrismo, por uma ênfase exagerada do “eu” e do “meu”. A visão de Newton arrancou-nos da própria substância do Universo. A física clássica transmutou o cosmo vivo dos gregos e da Idade Média, um cosmo cheio de sentido e inteligência e movido pelo amor da Fonte/ Deus em benefício do homem, numa máquina morta e previsível. A revolução de Copérnico havia deslocado a Terra, e portanto os seres humanos, do centro das coisas; porém as três leis do movimento de Newton e seu modelo mecânico do sistema solar forneceram a planta para um projeto completamente despido de vida. As coisas se moviam porque obedeciam a leis fixas e determinadas. Um silêncio glacial invadiu os céus antes cheios de vida. Os seres humanos e suas lutas, toda a consciência e a própria vida tornaram-se irrelevantes ao funcionamento da vasta máquina universal. Ao longo da História, temos retirado da teoria física corrente da época, nossa concepção a respeito de nós mesmos e de nosso lugar no Universo. Assim, ao longo destes trezentos anos, físicos e não-físicos têm encontrado na coloração fria da visão newtoniana suas filosofias pessoais, seu sentido de identidade própria e suas noções de como se relacionam com o mundo e com as outras pessoas.
AS TEORIAS-MARX- DARWIN-FREUD-NEWTON
As imutáveis leis da História descritas por Marx, a luta desesperada pela sobrevivência de Darwin e as tempestuosas forças da sombria psique de Freud devem, em alguma medida, sua inspiração à teoria física de Newton. Todas, e mais a arquitetura de Le Corbusier e o completo arsenal da parafernália tecnológica que toca todos os aspectos de nossa vida diária, permearam tão profundamente nossas consciências, que todos e cada um de nós nos enxergamos refletidos no espelho da física newtoniana. Estamos mergulhados no que Bertrand Russell chamou de “desespero inarredável” ao qual ela deu origem. “O mundo que a ciência nos apresenta para que acreditemos”, escreveu Russell na virada do século, “nos diz”: Que o homem é produto de causas que não tinham nenhuma previsão do fim ao qual chegariam; que sua origem, seu crescimento, suas esperanças e temores, seus amores e crenças não passam do resultado do posicionamento acidental de átomos; que nenhum heroísmo, nenhum grau de pensamento ou de sentimento pode preservar a vida individual após a morte; que toda a labuta dos séculos, toda a devoção, toda a inspiração, todo o intenso brilho do gênio humano estão destinados à extinção na vasta morte do sistema solar; e que todo o templo da conquista humana deverá inevitavelmente ser soterrado sob os escombros de um Universo em ruínas…; “Como”, pergunta-se Russell, “pode o homem, num mundo tão alienígena e desumano, manter suas aspirações imaculadas?” Em larga escala, não conseguimos. A maioria dos relatos escritos sobre nosso século e a experiência de muitas pessoas que viveram ao longo dele, mostram um quadro de considerável dissolução.
AS VÁRIAS FACETAS DA QUESTÃO
De todos os lados — moral, espiritual e estético — nossa cultura parece estar sob tensão. Muitos dos “valores antigos” e crenças geralmente aceitas deixaram de ser inquestionáveis e nos vemos alicerçados apenas em nós mesmos. A grande massa das pessoas foi compulsoóriamente obrigada a viver na era do herói existencial — audaciosamente indiferente ao “Deus morto”, tornando-se criador de seus próprios valores e guardião de sua própria consciência. Esta é a experiência do modernismo, e seu preço, tanto em termos pessoais como em termos de desenraizamento cultural,e foi alto. Em nosso relacionamento com nós mesmos e com os outros, a influência newtoniana vai muito fundo. Se não passamos de um subproduto acidental da criação e um joguete na mão de forças maiores totalmente fora de nosso controle, como podemos ter alguma responsabilidade significativa por nós mesmos ou pelos outros? Como, dotados de existência temporária e de propósitos fúteis e jogados de um lado para outro pela dinâmica do id ou pela sub-corrente genética ou ainda pela luta de classes e pela História, como realmente podemos ser responsabilizados por qualquer coisa? Grande parte da moderna sociologia, da pedagogia e toda a psicologia do Ser, derivam desta linha de pensamento, assim como nossa violência característica do século 20/21, uma reação natural diante de tamanha impotência. Foi igualmente afetada nossa atitude em relação à natureza e ao mundo material. Se nossa mente, nosso ser consciente, é totalmente diferente de nosso ser material, como argumentou Descartes, e se a consciência não tem nenhum papel a desempenhar no Universo, como sugere a física de Newton, que relacionamento podemos ter com a natureza ou com a matéria?
-UMA CRENÇA ADQUIRIDA;UM MUNDO ALIENÍGENA Á NÓS E NÓS Á ELE
Somos alienígenas num mundo alienígena, situados à parte dele e em oposição a ele, nosso meio ambiente material. Portanto, lançamo-nos à conquista da natureza para sobrepujá-la e utilizá-la para nossos próprios fins sem olhar as conseqüências disso. “O homem é um estranho ao mundo”, diz Michel Serres, “ao pôr-do-sol, ao céu, às coisas. Ele as odeia e combate. Seu ambiente é um perigoso inimigo contra o qual deve lutar, e que deve ser mantido escravo…”. A violação do meio ambiente característica do século 20 e a caótica proliferação de estruturas materiais construídas pelo homem advêm deste senso de alienação da natureza e da matéria. Mas, irônicamente, enquanto a cosmovisão newtoniana ainda domina nossas vidas e pensamentos, todo e qualquer entusiasmo pela física de Newton em si já morreu há tempos. Ela ainda é a física que move dínamos, que leva o homem à Lua, porém já não está na vanguarda do pensamento físico criativo. Nem sequer é ensinada nos cursos básicos das universidades mais avançadas, pois a consideram adequada sómente a níveis mais elementares do ensino da ciência. Em seu lugar, temos a “nova física”, a teoria da relatividade de Einstein e a mecânica quântica, ambas tendo mudado radicalmente o modo de se fazer física. A teoria da relatividade em si, embora tenha conseqüências importantes no modo como se faz uma parte da física, provavelmente não levará a uma nova visão de mundo. Embora uma leitura errônea de Einstein tenha sido animadora para a tendência a favor do “relativismo”, para certas correntes históricas e antropológicas a teoria da relatividade em si trata da física das altas velocidades e enormes distâncias. Ela se consuma numa escala cosmológica e não tem virtualmente nenhuma aplicação em nosso cotidiano, em nosso mundo de pés na terra. Assim, ainda que qualquer colegial saiba que o espaço é curvo e o tempo, da forma como o conhecemos, é muito improvável que as pessoas comuns cheguem á uma compreensão da realidade diária sob as luzes da obra de Einstein.
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A física quântica é diferente. Sendo a física desse minúsculo micromundo dentro dos átomos, ela descreve o funcionamento interno de tudo o que vemos e ao menos físicamente somos. Todo o mundo da matéria, incluindo nossos próprios corpos, é feito de átomos e seus componentes ainda menores, e as leis que governam esses pequenos pedacinhos de realidade básica transbordam para nossa vida diária. Um único fóton, ou “partícula” de luz, afeta a sensibilidade do nervo ótico. O princípio da incerteza que governa o comportamento dos elétrons desempenha um papel na estrutura dos acidentes genéticos que contribuem para o processo de envelhecimento e para a evolução de certos tipos de câncer, sendo que o próprio processo evolutivo talvez seja afetado de maneira semelhante.3 Ao nível da analogia, a física quântica está cheia de imagens que quase imploram aplicação na vida diária. O princípio da incerteza de Heisenberg há muito invadiu a linguagem dos sociólogos e psicólogos; a idéia do salto quântico tornou-se o jargão comum para se discutir qualquer espécie de mudança rápida ;Ao longo desta série,estaremos mostrando vários modos segundo os quais, a teoria quântica pode nos oferecer uma compreensão radicalmente nova de vários aspectos de nossa experiência, e este é o tema geral ; como uma metáfora completamente nova para esta era, ou uma nova visão de mundo, deriva naturalmente daquilo que a física quântica nos conta sobre o mundo físico e humano. As características desta visão de mundo se tornarão claras à medida que discutirmos por que a nova física é nova e percebermos como, através de uma nova física da consciência, ela pode ser aplicada à filosofia da pessoa e à psicologia dos relacionamentos humanos.
A INFLUÊNCIA DA TEORIA QUÂNTICA
Sob alguns aspectos importantes, — como a física quântica se relaciona com nossa experiência da vida diária-iremos direto ao coração do problema filosófico central da própria teoria quântica. Até agora, passados sessenta anos de sua jovem história, os físicos quânticos ainda se sentem absolutamente incapazes para explicar até mesmo como pode existir um mundo do cotidiano — o mundo de mesas e cadeiras, pedras e árvores etc. — ,quanto mais para explicar como sua ciência se relaciona com este mundo. A teoria quântica é teoria física de maior sucesso até hoje. Ela pode prever corretamente resultados experimentais com um acerto de várias casas decimais. No entanto, sua inabilidade em explicar, quer as predições, quer os resultados, significa que nenhum quadro novo, uno da realidade, emergiu de todas as equações geradas, e menos ainda uma nova visão de mundo na qual as descobertas da física quântica se enraízem para instigar a imaginação das pessoas comuns. Realmente, na maior parte dos sessenta anos passados desde que a teoria quântica se completou, o consenso entre os físicos quânticos tem sido o de que eles não podiam nem deveriam dizer coisa alguma sobre o mundo real e que sua única tarefa “segura” seria continuar prevendo resultados através de suas equações.
Essa posição “anti-realista”, que ficou conhecida como a Interpretação Copenhagen da teoria quântica por causa do físico dinamarquês Niels Bohr, seu grande defensor, está influenciada pela natureza bizarra e indeterminada dos eventos no nível quântico, onde nada em particular pode ser declarado existente em um local determinado e tudo flutua num mar de possibilidades. Isso levou a conversas absurdas entre os físicos quânticos e seus seguidores filosóficos, incluindo-se aí a negação de uma realidade no nível subatômico ou mesmo, em alguns casos, a negação da existência de qualquer realidade. Entretanto, há um mundo real onde as “coisas” existem. As cadeiras são corpos sólidos e identificáveis, sobre os quais podemos nos sentar. Para que a teoria quântica esteja realmente completa, e para que substitua, não só a física newtoniana como também toda a cosmovisão newtoniana enquanto filosofia central de nossa era, ela deve ser conduzida a um diálogo mais estreito com tais fatos do mundo cotidiano. O argumento central desta premissa é o de que nós, seres humanos conscientes, somos a ponte natural entre o mundo da experiência diária e o mundo da física quântica, e que um exame mais acurado da natureza e do papel da consciência no esquema das coisas conduzirá a uma compreensão filosófica mais profunda do dia-a-dia e a um quadro mais completo da teoria quântica.
E A CONSCIÊNCIA?
A existência da consciência foi sempre um problema. O que ela é, por que ela existe no mundo e como, de fato, pode tal coisa existir? Algumas respostas a estas questões são necessárias a qualquer compreensão da vida ainda que em seu sentido mais primário, como a “vida” de uma ameba. Num sentido mais amplo, algumas respostas são necessárias para iluminar o significado e o propósito da vida, os porquês de nossa cultura e o lugar de um único indivíduo num universo maior. Elas também são necessárias para se obter alguma compreensão do universo em si.Podemos considerar muito sériamente a possibilidade de que a consciência, assim como a matéria, emerge do mundo dos acontecimentos quânticos e que ambas, embora completamente diferentes uma da outra, têm uma “mãe” em comum na realidade quântica. Se assim for, nossos padrões de pensamento e, mais do que isto, nosso relacionamento com nós mesmos, com os outros e com o mundo como um todo, poderão em alguns casos ser explicados pelas mesmas leis e padrões de comportamento que governam o mundo de prótons e elétrons, em outros casos podem refletir essas mesmas leis e padrões. Se de fato nosso intelecto tira suas leis da natureza, segue-se que nossa percepção dessas leis deve, em alguma medida, refletir a realidade da própria natureza. Se tal possibilidade existe, então, podemos retirar dela uma visão similar àquela dos antigos gregos: Quando o homem está no mundo, é do mundo, está na matéria, é da matéria, ele não é um estranho mas um amigo, um membro da família, um igual… Os gregos viviam num Universo conciliado, onde a ciência das coisas e a ciência do homem coincidem. Podemos dizer que que temos hoje na física quântica os fundamentos de uma física sobre a qual podemos basear nossa ciência e nossa psicologia, e que através de uma comunhão da física e da psicologia também poderemos viver num Universo conciliado, um Universo em que nós e nossa cultura seremos plena e significativamente parte do esquema das coisas.
O QUE HÁ DE NOVO NA” NOVA FÍSICA”
Certa vez Einstein disse que a teoria quântica lhe sugeria “um sistema de ilusões de um paranóico extremamente inteligente, maquinado a partir de elementos de pensamento incoerentes”. Todos os adjetivos comumente aplicados a essa física são do mesmo tipo: absurda, bizarra, assustadora, incrível, inacreditável etc. Até mesmo encontrar a maneira verdadeiramente apropriada para se descrever as descobertas neste campo parece ser uma tarefa ardilosa. A nova física é tão nova que os próprios físicos quânticos ainda não se entenderam inteiramente a respeito das mudanças conceituais que ela determina, refugiando-se na linguagem menos exigente das matemáticas. Mas é justamente aí, no cunhar de uma nova estrutura conceitual para a nova física, que está o verdadeiro desafio cultural da ciência moderna. É difícil perder os velhos hábitos intelectuais. As categorias newtonianas de tempo, espaço, matéria e causalidade impregnaram tão profundamente toda nossa percepção da realidade que emprestam sua cor a todos os aspectos de nossa forma de pensar sobre a vida, e não é fácil imaginar um mundo que arremede sua realidade.Ex;- Cada vez que dirigimos um automóvel de um ponto a outro estamos, em alguma medida, conscientes do espaço entre os dois pontos e do tempo que levamos para percorrer o trajeto. O simples ato de abrir e fechar uma porta nos torna subliminarmente conscientes tanto da existência material da porta como de nossa mão, e ainda da relação de causa e efeito entre uma e outra. Como, então, lidar com a alegação de que não há espaço entre dois objetos distintos e, mais ainda, que não há objetos da forma como normalmente os concebemos e que toda a noção de “distintos” não tem nenhuma base na realidade? Como falar sobre acontecimentos ou relacionamentos se temos de renunciar a toda esta conversa de tempo e nunca dizer que uma coisa causou outra?
Da primeira vez que se apresentam tais problemas, eles provocam uma espécie de torpor intelectual a que se segue uma tentativa de lidar com eles de alguma forma conhecida. Mesmo os físicos quânticos, quando procuram entender o que suas equações estão indicando, inadvertidamente tentam colocar conceitos quânticos novos dentro de categorias newtonianas antigas, o que por sua vez faz que vejam o próprio trabalho com a mesma estranheza dos leigos. Até agora, nenhum deles conseguiu dizer realmente o que é que tudo isto significa. Ao longo desta série , tentaremos expressar os conceitos da teoria quântica numa linguagem corriqueira e em termos do dia-a-dia sem, no entanto, cair na armadilha comum de tentar colocar “pinos redondos em buracos quadrados”. A radical novidade de tudo ficará instantaneamente evidente quando examinarmos as noções básicas de ser, movimento e relacionamento no contexto da nova física, e esperamos que nossa capacidade de assimilação dessas noções como parte integrante de nossa experiência pessoal cresça nos posts posteriores.
SER- A MAIS REVOLUCIONÁRIA
A mais importante afirmação que a física quântica faz acerca da natureza da matéria, e talvez do próprio ser, provém de sua descrição da dualidade onda—partícula — a afirmativa de que todo ser, no nível subatômico, pode ser igualmente bem descrito como partículas sólidas, como um certo número de minúsculas bolas de bilhar, ou como ondas, como as ondulações na superfície do oceano. Mais que isto, a física quântica prossegue dizendo que nenhuma das duas descrições tem real precisão quando isolada e que tanto o aspecto onda como o aspecto partícula do ser devem ser levados em conta quando se procura compreender a natureza das coisas. É a própria dualidade o aspecto mais básico. A “substância” quântica é, essencialmente, ambos: o aspecto onda e o aspecto partícula simultaneamente. Esta natureza do Ser Quântico está condensada numa das colocações mais fundamentais da teoria quântica, o princípio da complementaridade, que declara que cada modo de descrever o ser, como onda ou como partícula, complementa o outro e que o quadro completo surge somente do “pacote”. Como os hemisférios direito e esquerdo do cérebro, cada uma das descrições fornece um tipo de informação que feita à outra. Se, num dado momento, o ser elementar se mostra como uma ou como a outra, isso depende das condições gerais — o crucial nisso, como veremos mais adiante, pode ser que qualquer uma das duas ou que nenhuma esteja observando, ou, quando elas estão, o que estão procurando.
ONDA E PARTÍCULA-QUAL A MAIS FUNDAMENTAL?
Tal dualidade e o conceito um tanto etéreo de matéria que isso representa, não poderiam estar mais distantes da noção corriqueiramente sustentada pela física newtoniana ou clássica. Na física de Newton, como em nossa percepção comum de questões maiores, presumia-se que o ser, em seu nível mais básico e indivisível, consistia em partículas pequeninas e distintas entre si, os átomos que colidem, se atraem e se repelem uns aos outros. Eram sólidos e separados, cada qual ocupando um lugar próprio e definido no espaço e no tempo. Em contrapartida, os movimentos de onda (como ondas de luz) eram considerados vibrações que ocorriam numa espécie de “gelatina” subjacente (o éter), não sendo coisas fundamentais por si mesmas. Assim, tanto ondas como partículas tinham seu papel dentro da física newtoniana, mas as partículas eram consideradas mais básicas, e delas é que a matéria se formava. Para a física quântica, porém, tanto ondas como partículas são igualmente fundamentais. Uma e outra são modos pelos quais a matéria se manifesta, e as duas juntas são o que a matéria é. E, ainda que nenhum dos “estados” seja completo em si mesmo e ambos sejam necessários para nos dar um quadro completo da realidade, na verdade só conseguimos focalizar um de cada vez. Esta é a essência do princípio da incerteza de Heisenberg, que, como o da complementaridade, é um dos princípios mais fundamentais do ser na teoria quântica. Segundo o princípio da incerteza, as descrições do ser como onda e como partícula se excluem mutuamente. Embora ambas sejam necessárias à compreensão integral do que o ser é, somente uma está disponível num determinado momento do tempo. Consegue-se medir ou a exata posição de algo (como um elétron) quando ele se manifesta como partícula, ou seu momentum (sua velocidade) quando ele se expressa como onda, mas nunca se consegue uma medida exata de ambos a um só tempo. A charada da medição dos elétrons é um pouco como a dinâmica de uma primeira entrevista psiquiátrica na qual, idealmente, o psiquiatra gostaria de saber tanto os fatos relevantes do histórico do paciente como também estabelecer algum tipo de relação com ele. O problema é que, se o psiquiatra faz perguntas factuais para conseguir o histórico, recebe respostas factuais, e o paciente em si, seu modo de ser naquele momento, fica em segundo plano. Em contrapartida, se o psiquiatra decide abandonar as perguntas para ouvir de forma mais criativa e receptiva, conseguirá “sentir” o paciente muito bem, porém chegará ao fim da entrevista sabendo muito pouco do histórico. Colheita de fatos e criação de um relacionamento parecem se excluir e, no entanto, ambos são necessários para formar um quadro completo do estado do paciente.
NEM PARTÍCULA NEM ONDA….
Da mesma forma, a maioria dos elétrons e outras entidades subatômicas não são nem totalmente partículas nem totalmente ondas, mas, antes, uma confusa espécie de mistura das duas conhecida como “pacote de onda”, e é aqui que a dualidade onda— partícula e o mistério quântico se revelam plenamente. Embora possamos medir propriedades das ondas e propriedades das partículas, as propriedades exatas da dualidade sempre escapam a qualquer medição. O máximo que se pode pretender em relação a qualquer pacote de onda é uma leitura nublada de sua posição e uma leitura igualmente nublada de seu momentum. Este “nublamento” essencial é a incerteza à qual se refere o princípio da incerteza, e ele substitui o velho determinismo newtoniano, em que tudo da realidade física é fixo, determinado e mensurável, por um vasto “mingau” de ser onde nada é fixo nem totalmente mensurável, onde tudo permanece indeterminado, algo fantasmagórico e sempre um pouco além de nossa compreensão.
Assim como muitas vezes sentimos que nunca compreendemos inteiramente uma outra pessoa, nunca realmente conseguimos determinar sua natureza essencial, é uma verdade indubitável que nunca conhecemos plenamente uma partícula elementar. É como se estivéssemos eternamente condenados a enxergar apenas sombras em meio à neblina. A natureza total dessa indeterminação quântica vai direto ao coração do problema filosófico central levantado pela mecânica quântica — a natureza da própria realidade. Alguns teóricos quânticos, e em primeiro lugar dentre eles Niels Bohr, bem como o próprio Heisenberg, argumentam que a realidade fundamental em si é essencialmente indeterminada, que não há um “algo” nítido e fixo subjacente a nossa existência diária que possa ser conhecido. Tudo da realidade é e continua sendo uma questão de probabilidades. Um elétron pode ser uma partícula, pode ser uma onda, pode estar nesta órbita, pode estar naquela — de fato, tudo pode acontecer. Só podemos prever essas coisas com base no que é mais provável dadas as condições gerais de determinada situação experimental. Dentro desta visão, na qual a base essencial da realidade tal como a conhecemos consiste apenas em tais e tantas possibilidades, ficamos com o problema central da teoria quântica irresoluto: como podem as coisas deste mundo chegar a se tornar reais, fixas? É o exato oposto do dilema levantado pelo Universo mecânico de Newton no qual não há espaço para o novo. Lendo Newton, sentimos a necessidade de perguntar: como é que alguma coisa consegue acontecer? Com a interpretação de Bohr— Heisenberg da mecânica quântica o problema passa a ser: como é que alguma coisa consegue ser? Mas outros teóricos quânticos, liderados por um apaixonado Einstein, argumentaram que qualquer realidade tão completamente indeterminada, probabilística, não poderia ser concebida. O Todo-Poderoso, assegura-nos Einstein, não sancionaria um Universo que funcionasse como uma casa de jogo banal — “Deus não joga dados com o Universo”, disse ele. Os partidários de Einstein argumentam que o indeterminismo essencial exigido pela mecânica quântica repousa não na própria realidade, mas antes deriva do fato de que a teoria quântica em si não está completa, ou seja, da nossa inabilidade em estudar a natureza sem perturbá-la. Eles ressaltam que a teoria falha justamente no ponto em que deveria explicar a existência das coisas concretas e insistem em que o mundo concreto é tão fixo e real como sempre pensamos. Somos nós que, por causa dos métodos de medição ou das equações que empregamos, não conseguimos conhecê-lo.
PROBABILIDADES INFINITAS
Embora concordando com Einstein que a atual física quântica, da forma como está estruturada, deixa de nos dar uma explicação adequada do mundo material de nosso dia-a-dia, nossa tendência pessoal é adotar a visão de Bohr—Heisenberg á respeito da indeterminação; isto é, queremos defender a visão de que o fundamento mesmo da realidade é um labirinto móvel e indeterminado de probabilidades; Esta tendência virá mais adiante quando discutirmos a natureza da consciência e sua relação com a física quântica. O funcionamento de nossa própria mente poderá fornecer uma chave para a natureza fundamental da realidade. Por enquanto, a indeterminação quântica é, no mínimo, uma maneira metafórica muito poderosa para se perceber a realidade. Ao nível do cotidiano podemos ver o princípio da incerteza e o da complementaridade — a dualidade onda—partícula — como algo que nos oferece a chance de escolher entre diversas maneiras de se enxergar um mesmo sistema. Por exemplo, podemos pensar nas ondas como gigantescas ondulações na superfície do mar ou podemos pensar nelas como certa quantidade de “partículas” (moléculas) de água. Podemos pensar numa nação como uma entidade viva com características próprias, etnia e história, ou podemos dividi-la em cidades separadas, prédios distintos, pessoas distintas. Se levarmos isto ainda mais adiante, poderemos pensar nos tijolos que compõem os prédios ou nas células corporais das pessoas, ou mesmo nas moléculas e átomos que formam cada uma delas. Vários tipos de coisas podem ser vistos mais claramente se observados sob várias perspectivas, e quem poderá dizer qual a mais fundamental? Qual ou o que existe mais “realmente”? A teoria do campo quântico nos leva ainda mais longe, para além do Universo morto e silencioso de Newton, dando-nos um quadro vivido do fluxo dinâmico que repousa no coração de um ser indeterminado. Ali, mesmo aquelas partículas que chegam a se manifestar como seres individuais o fazem apenas rapidamente. Em níveis de energia suficientemente elevados, partículas podem surgir de um fundo de pura energia (ondas), existir por um tempo ínfimo e então dissolver-se novamente para formar outras partículas ou voltar àquele profundo oceano de energia — como os pequenos rastros de vapor que aparentemente surgem do nada, atravessam um pequeno espaço na neblina e então desaparecem novamente.
Algumas das propriedades dessas partículas individuais transitórias são conservadas — sua massa, carga e spin (movimento angular intrínseco) —, porém, para o número e tipo da população de uma nação ou a construção e declínio de suas cidades e prédios distintos, tal constância se restringe ao balanço geral do sistema como um todo. Este quadro gráfico de surgimento e desaparecimento, ou início e cessação de partículas subatômicas isoladas no nível quântico da realidade, traz profundas implicações para nossa maneira de enxergar a natureza e a função das personalidades individuais, ou a sobrevivência do ser individual.
O MOVIMENTO NA FÍSICA CLÁSSICA
O movimento parece um conceito bastante simples, familiar à nossa percepção diária, do modo como as coisas se deslocam. Um objeto, digamos, uma bola, viaja sem interrupção do ponto A ao ponto B, leva determinada quantidade de tempo para transitar de um ponto ao outro e só começa sua viagem porque alguém a jogou. Portanto, ela se move suavemente pelo tempo e pelo espaço como resultado de uma relação de causa e efeito. Todos sabemos que esta é a forma básica pela qual os acontecimentos de nosso mundo são estruturados. No entanto, ao nível quântico da realidade, todo esse quadro de movimento contínuo pelo tempo e pelo espaço se desfaz. A física quântica, conforme coloca um físico de Oxford, é uma física de “pacotes” e “pulos”. Os “pacotes” apareceram nos primeiros tempos da física quântica quando Max Planck provou que toda energia é irradiada em pacotes individuais chamados “quanta”, em vez de em correntes fluindo sobre um espectro contínuo. Os “pulos” ou “saltos” surgiram alguns anos depois quando Niels Bohr demonstrou que os elétrons pulam de um estado energético a outro por meio de saltos quânticos descontínuos, cujo tamanho depende de quantos quanta de energia os elétrons absorveram ou liberaram.
O átomo de Bohr original, atualmente um tanto obsoleto, mas ainda útil para demonstrar o efeito dos saltos quânticos, se assemelhava a um minúsculo sistema solar. Ele tinha um núcleo comparativamente grande no centro, fazendo o papel do Sol, e vários elétrons o circundavam, cada qual em sua órbita individual — cada órbita representando um determinado estado de energia que o elétron pode ocupar. No final das contas não havia nenhuma regra ou razão para um átomo pular de uma órbita a outra, ou para o tamanho do salto que ele daria. Tudo o que se podia prever era que seu caminho não seria suave e que a “distância” (diferença energética) percorrida poderia ser medida em tantos quanta inteiros. A nova descrição do movimento como uma série de saltos descontínuos foi uma das mudanças conceituais mais fundamentais que emergiram da teoria quântica. Foi como substituir o suave fluir da vida real por fotogramas como os que compõem as unidades individuais de um filme. De fato, a teoria mostrava que todo movimento — mesmo o que percebemos como suave e contínuo — está estruturado da mesma forma que a sucessiva apresentação dos fotogramas. E assim como ocasionalmente um filme pode “saltar” dentro do projetor, também as partículas subatômicas podem saltar “vários fotogramas para frente” pulando os estágios intermediários que pareceriam o caminho mais natural. As analogias que se pode fazer com processos mentais e culturais são inumeráveis.
AS QUESTÕES PRÁTICAS
Como já vimos na discussão sobre o “Ser” na teoria quântica, o princípio da incerteza de Heisenberg surgiu do problema de se tentar seguir e descrever o verdadeiro movimento de uma partícula subatômica ao longo de seu caminho descontínuo. Numa região onde a realidade parece constituir-se não de realidades fixas que podemos conhecer, mas sim de probabilidades que talvez conheçamos, quanto mais se procura analisar os movimentos de qualquer partícula, mais enganosa ela se torna. Esta qualidade enganosa é o maior problema levantado pela teoria quântica. O outro grande problema é o destino de todas aquelas probabilidades não aproveitadas. Se a realidade, no nível do cotidiano, em que normalmente a experimentamos, consiste de fato de coisas reais como corpos e escrivaninhas e cadeiras, ao passo que no nível quântico não existem “coisas” reais mas somente uma miríade de possibilidades de incontáveis realidades, o que é feito de todo este potencial? Em que estágio e por que uma das muitas possibilidades da natureza se fixa no mundo das “coisas reais”, e que papel desempenham todas essas possibilidades não aproveitadas (se é que desempenham algum papel) na realização desse estado final das coisas?
A resposta a estas perguntas será de nosso interesse mais tarde, quando discutiremos a natureza e função da Consciência. Até agora não há nenhuma boa resposta para o porquê da realidade presente — e teremos boas razões para entender isso mais tarde —, mas já se compreende melhor o papel espantoso da possibilidade na sua fixação ou mesmo na sua criação. Isto pode ser visualizado de forma impressionante nos saltos de elétrons. Quando um elétron faz uma transição de um estado de energia a outro dentro do átomo, vimos que ele o faz de forma completamente espontânea e aleatória. Súbitamente, sem aviso prévio e certamente sem “causa”, um átomo antes “quieto” poderá experimentar o caos em suas camadas de energia eletrônica. Tudo depende muito de sorte. E os elétrons podem, com igual probabilidade, fazer uma transição de um estado de energia mais alto para um mais baixo, ou de um mais baixo para um mais alto. Por isso se diz que há reversibilidade do tempo no nível quântico: as coisas podem acontecer em qualquer direção. Nesse átomo perturbado não há nenhuma sucessão conhecida de acontecimentos, com uma coisa causando a outra. As coisas simplesmente “acontecem porque acontecem”, assim como as imagens livremente reunidas num poema, onde se sucedem, uma após outra, sem obedecer a nenhuma ordem necessária. E, pior do que isso, elas acontecem simultâneamente em todas as direções, o que nos leva à questão das “possibilidades perdidas”. Quando um elétron, a pretexto de uma onda de probabilidade, pretende mudar de uma órbita para outra, ele primeiro se comporta como se estivesse “espalhado por uma ampla região do espaço”, revelando uma espécie de onipresença sobrenatural em muitas órbitas. Ele lança “sensores” temporários na direção de sua futura estabilidade, experimentando — de uma vez só — todas as novas órbitas possíveis nas quais poderá futuramente assentar-se, algo bem parecido conosco quando experimentamos uma idéia nova, criando cenários imaginários nos quais vemos suas inúmeras possíveis conseqüências.
Na teoria quântica estes “sensores” temporários são chamados “transições virtuais”, ao passo que a transição final do elétron para sua casa nova e definitiva é chamada “transição real”. No entanto, como previne o físico quântico David Bohm, não devemos tirar conclusões errôneas levados pelos termos “virtual” e “real”. Por vezes permanente (isto é, energia conservante) são chamadas transições reais, para se distingui-las das chamadas transições virtuais, que não conservam energia e que, portanto, devem ser revertidas antes que cheguem longe demais. Esta terminologia é muito infeliz, pois sugere que as transições virtuais não têm efeitos reais. Ao contrário, geralmente elas são da maior importância, porque um grande número de processos físicos resulta dessas assim chamadas transições virtuais.Ex;- A situação é um pouco parecida com aquela de uma jovem recatada que é por fim apresentada à sociedade em seu début. Antes tão serena, ela se vê excitadíssima quando confrontada com pedidos de casamento de vários pretendentes. Todo um mundo novo de possibilidades abriu-se a ela, que, naturalmente, quer realizar seu maior potencial de fazer o casamento certo com o homem de seus sonhos. No mundo real (o mundo da realidade diária) ela teria de examinar uma a uma essas diversas possibilidades, talvez saindo várias vezes com cada um dos pretendentes antes de se sentir segura de estar escolhendo o homem certo. Mas no mundo quântico a indecisa mocinha ficaria com todos os pretendentes ao mesmo tempo, talvez até montando uma casa com cada um deles simultâneamente. Se seus pais, escandalizados, quisessem lhe escrever uma carta condenando seu comportamento libertino, não conseguiriam saber onde encontrá-la. Teriam de mandar cópias da carta para todos os seus endereços já que, na verdade, ela estaria em todos eles. E, se os ninhos de amor dessa mocinha fossem suficientemente próximos uns dos outros,• ela poderia até se postar em suas várias varandas e acenar para si mesma do outro lado! Por fim, é claro, tendo explorado plenamente suas possibilidades, a moça acabaria assentando-se, casando e morando em uma casa com apenas um dos pretendentes, mas não sem deixar “traços” seus nas várias vizinhanças onde ocupou endereços temporários. Os vizinhos talvez se lembrassem dela, perguntando-se o que teria sido feito daquela moça; e, se a natureza tivesse seguido seu curso normal, haveria proles advindas de suas muitas ligações temporárias, que por sua vez cresceriam e viriam a influenciar o mundo. (Pois um grande número de processos físicos é resultado dessas transições virtuais.)
Na realidade, para a teoria quântica, as casas poderiam estar a qualquer distância uma da outra, pois as transições virtuais de um elétron influem uma na outra mesmo a uma distância infinita. A realização de múltipla escolha de fato acontece sempre que há um ponto de decisão a respeito do meio pelo qual um processo físico indeterminado poderá se resolver. Chamada “teoria dos muitos mundos”, ela sugere que há um número infinito de mundos, em cada um dos quais poderemos encontrar uma versão de nós mesmos, cada qual diferente da outra, na medida em que cada uma seguiu uma diferente corrente de acontecimentos. Segundo essa visão, não há possibilidades perdidas — podemos viver todas. No entanto, haverá razão para empregar de vez em quando as muitas analogias entre os processos psicológicos e o papel das transições virtuais quânticas. Na natureza, por exemplo, David Bohm já sugeriu que, “sob muitos aspectos, o conceito da transição virtual assemelha-se à idéia da evolução na biologia, que sugere que todas as espécies podem aparecer como resultado de mutações, mas que somente algumas espécies podem sobreviver indefinidamente, a saber, aquelas que satisfazem certas exigências de sobrevivência do meio ambiente específico daquela espécie”. As muitas espécies criadas por mutações podem ser vistas como várias possibilidades (estados virtuais) sendo exploradas pela natureza como novas formas por intermédio das quais ela procura expressar seu potencial. As possibilidades menos inviáveis acabam morrendo, como diz Bohm, mas freqüentemente não sem antes deixar algum traço de si, que perdura, tornando-se parte da trama da vida. Dois mutantes inviáveis poderão, por exemplo, cruzar e formar uma terceira espécie capaz de sobreviver por longo tempo (uma transição real). É muito provável que os seres humanos sejam resultado de tal cruzamento entre duas “espécies virtuais”, uma mutação secundária que deu certo, vinda de obscuras formas de vida conhecidas apenas como o elo extraterrestre perdido.
RELACIONAMENTO,TALVEZ….
Mais do que qualquer outra coisa, a física quântica promete transformar nossas noções sobre relacionamento. Tanto o conceito do Ser enquanto dualidade indeterminada de onda— partícula como o conceito de movimento que deriva das transições virtuais, pressagiam uma revolução em nossa percepção de como as coisas se relacionam. Coisas e acontecimentos que antes eram concebidos como entidades separadas pelo espaço e pelo tempo, agora são vistos pelo teórico quântico como tão integralmente ligados que sua ligação faz as vezes de ambos, espaço e tempo. Eles se comportam como aspectos múltiplos de um todo maior, sendo que suas existências “individuais” ganham definição e sentido através do contato com esse todo. A nova noção mecânico-quântica de relacionamento vem co mo conseqüência direta da dualidade onda—partícula e da tendência de que uma “onda de matéria” (ou “onda de probabilidades”) deve se comportar como se estivesse espalhada por todo espaço e tempo. Mas, se todas as “coisas” potenciais se estendem indefinidamente em todas as direções, como se poderá falar em alguma distância entre elas ou conceber alguma separação? Toda as coisas e todos os momentos tocam uns nos outros em todos os pontos; a unidade do sistema completo é suprema. Segue-se disto que a noção antigamente fantasmagórica do “movimento á distância”, em que um corpo influencia o outro instantâneamente apesar de inexistir troca aparente de força ou de energia, é um fato banal e corriqueiro para o físico quântico — um fato tão estranho a qualquer estrutura de tempo e espaço que permanece um dos maiores desafios conceituais levantados pela teoria quântica.
Uma visão da realidade que aceita o movimento instantâneo á distância ou a não-localidade, como é mais adequadamente chamada (princípio que diz que algo pode ser afetado mesmo na ausência de uma causa local), tem uma coloração óbviamente mística. Na verdade, ela afronta violentamente o bom senso e a física clássica. Ambos repousam no princípio intuitivo de que, em algum nível, a realidade é composta de componentes básicos, indivisíveis, inerentemente distintos entre si e que qualquer efeito experimentado por uma parte tem uma causa que a explique em outra parte. Além disso, segundo a teoria da relatividade, nenhuma causa (digamos, sinal) é capaz de viajar de um pedaço de realidade para afetar outro mais rápidamente que a velocidade da luz. Assim, quaisquer idéias de influências instantâneas deveriam estar fora de cogitação. Todo o problema da não-localidade é tão difícil que nem sequer foi levantado nos primórdios da teoria quântica, e sómente nos últimos anos é que os físicos vêm tentando entender-se com ele. Foi Einstein quem primeiro demonstrou que as equações da teoria quântica prediziam a necessidade de não-localidade instantânea. Para ele, isto era impossível (“fantasmagórico e absurdo”, como disse) e jamais sentiu-se à vontade com as implicações metafísicas mais amplas da física quântica. A previsão da não-localidade era a prova clara de que ele precisava para dizer que a teoria quântica estava “incompleta e mal pensada”, e ele se empenhou para que isso fosse reconhecido.
Num dos famosos paradoxos da física — o Paradoxo de Einstein, Podolsky e Rosen ou E.P.R. — ele demonstrou, de uma vez por todas, como supôs, que a presumida existência das influências não-locais levava a uma contradição. O teor do Paradoxo de E.P.R. pode ser compreendido se imaginarmos o destino de um hipotético par de gêmeos idênticos; nascidos em Londres, mas separados desde o nascimento. Um deles continua morando em Londres. O outro foi viver na Califórnia. Ao longo dos anos não há contato entre os gêmeos; na verdade, um ignora a existência do outro. O bom senso dirá que os gêmeos vêm levando vidas completamente distintas. Mas, apesar de sua separação e da ausência de comunicação entre eles, um psicólogo que vem estudando a vida dos gêmeos observou uma impressionante correlação em seus estilos de vida. Ambos adotaram o apelido de “Badger”, ambos trabalham como advogados no escritório de um procurador da prefeitura, ambos se vestem quase exclusivamente em tons de marrom e ambos casaram-se com loiras de nome Jane na idade de 24 anos. Como se explica tudo isso? O físico quântico não teria nenhuma dificuldade em acreditar na correlação das vidas dos gêmeos. Ele diria que suas equações sempre previram isto e que todas as ligações entre eles são satisfatoriamente explicada pelo fato de suas existências individuais serem aspectos de um todo maior. Mas Einstein achava que isto não bastava. Em sua teoria das variáveis escondidas sugeriu como alternativa (continuaremos utilizando a analogia dos gêmeos) que devia haver algum fator ; Na realidade, o Paradoxo de E.P.R. diz respeito a um experimento mental proposto por Einstein, Podolsky e Rosen no qual um físico tentaria medir posição e momento linear de dois prótons que se projetam em direções opostas partindo de uma fonte comum. David Bohm revisou isto mais tarde sugerindo que o físico medisse o spin de dois prótons, e sua sugestão tornou-se a base para experimentos de real correlação, realizados na década de 70, com fótons ou “partículas de luz”. comum, talvez o material genético comum, que predeterminava a similaridade de suas vidas. A controvérsia foi enfim resolvida por um físico chamado John Bell, que sugeriu uma experiência conhecida como teorema de Bell. Para obedecer ao teorema de Bell, que determina que se interfira com um dos elementos do par para ver o que acontece com o outro, teríamos de escolher um momento e dar um bom empurrão no gêmeo que mora em Londres, fazendo-o cair da escada e quebrar a perna. Ninguém pode sustentar que a herança genética explicaria o fato de o outro gêmeo sofrer uma queda similar lá na Califórnia. Portanto, se o gêmeo da Califórnia continuar são e salvo enquanto sua contrapartida londrina sofre o acidente, então a teoria quântica está errada e Einstein certo; porém, se o gêmeo da Califórnia cair, Einstein está errado e a teoria quântica correta.
Na verdade o que ocorre é que, quando o gêmeo londrino leva o empurrão, o da Califórnia também cai exatamente da mesma forma, no mesmo momento e também quebra a perna, embora ninguém tenha lhe dado um empurrão. Todos os aspectos de suas vidas são inseparáveis. No nível subatômico, tais experimentos de correlação foram realizados muitas vezes usando-se pares de fótons correlatos. As influências não-locais que unem seus “estilos de vida” foram provadas muitas e muitas vezes. Os padrões de comportamento dos fótons são tão extraordinariamente ligados mesmo através de qualquer separação espacial — poderia ser uns poucos centímetros ou todo o Universo — que parece não haver nenhuma distância entre eles. Experiências similares foram realizadas para provar os mesmos efeitos espantosos de correlação no tempo. Eles conseguem vencer o tempo numa espécie de dança sincronizada que desafia toda nossa imaginação tão atrelada ao bom senso;Imagine, por exemplo, o caso de dois barqueiros que transportem mercadorias de um lado para outro do rio, cada qual com seu barco. O barqueiro A com um barco, o barqueiro B com outro. Quando há muito movimento de mercadorias ambos trabalham em período integral, mas nos períodos de movimento fraco decidem trabalhar em turnos. O barqueiro A trabalha de manhã e o barqueiro B à tarde. Nos períodos de muito movimento, quando os dois trabalham o dia todo, escolhem arbitrariamente o barco que irão usar, sendo que nenhum dos dois considera um dos barcos o “seu”. Quando passam a trabalhar em turnos esta arbitrariedade na seleção dos barcos persiste — mas com uma peculiaridade decisiva. Quando o barqueiro A chega para o turno da manhã, escolhe arbitrariamente um dos barcos para usar; quando B chega para cumprir o turno da tarde sempre pega o barco que A não usou pela manhã (embora não tenha meios de saber que barco A usou). Assim, embora os dois barqueiros cheguem ao trabalho em horas diferentes durante o dia, continuam a usar os dois barcos como se ambos estivessem presentes. Seus comportamentos estão ligados, apesar da diferença de tempo entre seus turnos, de tal modo que sempre são correlatos. As correlações demonstradas por um experimento com fótons seguindo esta mesma idéia dos barqueiros hipotéticos foram sempre tão exatamente simétricas que não faz sentido dizer que o barqueiro A escolheu um certo barco prevendo que B escolheria o outro, ou que B escolheu tal barco por algum conhecimento misterioso de qual barco A escolhera antes. Só se pode afirmar que as correlações mostram que dois eventos podem estar relacionados através do tempo de tal modo que garanta que seu comportamento seja sempre “sintonizado”, sendo inútil tentar estabelecer um vínculo de causa e efeito. Tal relacionamento sincrônico é a base de todo o relacionamento mecânico-quântico, o que empresta uma nota bastante moderna à noção grega pré- socrática da “unidade do ser”. Em que medida existem influências não-locais correlatas entre dois corpos ou eventos aparentemente distintos é algo que depende da medida em que um sistema esteja num estado de “partícula” ou de “onda”. As partículas comportam-se mais como indivíduos e são menos correlatas; as ondas apresentam um padrão de comportamento correlato mais do tipo grupal. Voltarei a esta questão em capítulos posteriores ao discutirmos a identidade pessoal e as raízes da alienação.
A existência de correlações quânticas não-locais abalou o mundo da física e é um dos principais fatores que impossibilitaram os físicos quânticos de dizer o que significa sua teoria. Será, então, importante nos perguntarmos se o novo conceito de relacionamento alicerçado na não-localidade não nos estará oferecendo uma chave para uma compreensão completamente nova de nós mesmos.
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CONCLUSÃO E NOTA DO BLOG
Um experimento recente, que parece mostrar que a função de onda é real, está mexendo com a nossa concepção filosófica da realidade.Seguindo o caminho das partículas subatômicas até as entidades cosmológicas – lembrem-se da busca pela unificação da mecânica quântica com a relatividade -, uma das possibilidades dentre aquelas que têm sido levadas a sério pelos físicos, está a existência de universos paralelos, ou multiversos.Podemos postular até agora, o seguinte;
1-O universo no qual vivemos é apenas um de um número gigantesco de mundos. Alguns são quase idênticos ao nosso, mas a maioria é muito diferente;
2-Todos esses mundos são igualmente reais, existindo continuamente ao longo do tempo, e todos possuem propriedades definidas com precisão;
3-Todos os fenômenos quânticos emergem a partir de uma força universal de repulsão entre os mundos ‘próximos’ (ou seja, semelhantes), o que tende a torná-los mais desiguais.
A teoria quântica poderia então ser entendida como o limite contínuo de uma teoria mecânica vigorando em um número enorme, mas finito, de mundos clássicos, e os efeitos quânticos decorreriam exclusivamente de uma interação universal entre esses mundos, sem referência a qualquer função de onda.O que os físicos chamam de “mundo” é um universo inteiro, com propriedades bem definidas, determinadas pela configuração clássica das suas partículas ecampos.Isso, claro, compromete o conceito tradicional de Universo como compreendendo “tudo”. Essa questão aparentemente semântica começa então a ganhar significado prático: para manter o Universo como o “todo”, a equipe chama seus “universos individuais” de mundos.Em nossa abordagem, cada mundo evolui de forma determinística, as probabilidades surgem devido à ignorância a respeito de qual mundo um determinado observador ocupa, e argumentamos que, no limite de um número infinito de mundos, a função de onda pode ser recuperada (como um objeto secundário) a partir do movimento desses mundos.
CONTINUA…
EQUIPE DA LUZ É INVENCÍVEL
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Posts relacionados;
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Bibliografia para consulta
O Universo Elegante
Brian Greene
Em Busca da Unificação
Charles W. Misner, Kip S. Thorne and John Archibald Wheeler
O Tecido do Cosmos , The HiddenReality .
Brian Greene
Muito além da velocidade da luz
Marc Seifer PhD
Física Quântica-Eisberg-Resnick