O hábito de reclamar só piora a sua vida
Tem coisas que você não gosta, mas precisa fazer de
qualquer jeito
Tenho
feito um experimento pessoal nos últimos dias. Não é nada científico ou
metódico, apenas um processo para me ajudar a criar mais consciência sobre como
minha mente e meus impulsos funcionam e criei uma página simples no Facebook para compartilhar minhas
impressões. Este texto é fruto desse processo de observação.
Meu
objetivo é passar 21 dias sem reclamar, policiando meus impulsos, buscando
entender melhor de onde surge essa vontade e quais os efeitos (sejam positivos
ou negativos) que esse hábito pode gerar.
A válvula de escape
Quando
nos encontramos numa situação desconfortável, nosso impulso natural é buscar
algo para criticar, quebrando o gelo e criando um meio comum, onde as pessoas
se conectam por um sentimento que ambos podem identificar.
Quando
estamos presos no elevador com algum estranho e surge aquele silêncio
constrangedor, é comum alguém emitir um sutil comentário. Pode ser sobre como
está calor no dia, como o trânsito estava horrível ou como está cada vez mais
difícil estacionar perto do centro. Em conversas com amigos e familiares, a
reclamação também surge como assunto integrador, seja quando falamos sobre
trabalho, futebol ou a presidente da república.
No
geral, o impulso parece vir como uma válvula de escape, uma forma de aliviar
algo que nos incomoda. Mas o mundo é um lugar hostil, somos expostos
diariamente a situações que nos deixa incomodados. Assim, não demora muito para
criarmos uma compulsão. Sempre que existir a chance, vamos expressar alguma
insatisfação, mesmo que não seja verdadeira.
Utilizamos
reclamações como um sistema de fuga.
Pense
um pouco, todas as vezes que você disse “nossa, estou tão cansado” era
verdade ou foi uma reclamação vazia?
As duas formas de pensar
No
livro “Rápido e Devagar”,
Daniel Kahneman explica de forma bem sucinta como nossos sistemas cognitivos
funcionam. Quando você ler “2+2” neste texto, tenho certeza que não vai parar
para pensar, sei que a resposta surgiu na mente, sem esforço algum. Este é seu
Sistema 1, de onde saem nossas informações automatizadas, o conhecimento que
temos condicionado ao longo dos anos. Quando eu pergunto quanto é 38x40, no
entanto, você vai precisar pensar um pouco até encontrar uma resposta. Este é o
Sistema 2, capaz de fazer conexões mais complexas e pensar logicamente, mas é
comparativamente mais devagar, exige certo esforço.
Segundo
Kahneman, a repetição lógica do Sistema 2 gera a automatização do Sistema 1.
Quando repetimos uma informação em nosso sistema lógico, ele tende a se
acostumar e transferir essa automatização para o Sistema 1, condicionando o
processo.
É
assim que funcionamos com estudos, treinos e outras formas de aprendizado.
Repetimos toda parte complicada até passarmos a não pensar muito sobre o que
estamos fazendo.
Um
exemplo simples disso foi quando aprendi a montar cubo mágico. O começo foi bem
moroso, estudando o método, pensando bastante em cada uma das etapas e movendo
as partes cuidadosamente. Depois de alguns anos, esse conhecimento foi
automatizado. Hoje em dia eu não penso mais para solucionar o quebra-cabeça, é
uma ação inteiramente instintiva para mim.
Quando
alguém me pede para explicar como resolvo determinada etapa, não sei dizer como
faço. Preciso repetir o movimento na menor velocidade possível e ir escrevendo
a sequência num papel para tentar entender o que eu mesmo estou fazendo. E
acabo errando quando preciso executar a tarefa desse jeito.
Ficamos ancorados na reclamação
Nosso
processo inicial de reclamação é Sistema 2. Algo realmente nos afeta, pensamos
sobre aquilo e conseguimos tirar algumas conclusões, positivas ou não. O ponto
que pude observar durante meu experimento, é que dificilmente paramos de
reclamar depois da primeira vez. Repetimos diversas vezes, tanto em dialogo
interno quanto para outras pessoas. Fazemos isso sempre que temos oportunidade,
condicionando essa reclamação no Sistema 1, quando não pensamos mais sobre a
situação e simplesmente reclamamos sobre de forma vazia.
Podemos
notar que isso é verdadeiro em vários aspectos, basta observar a frequência que
reclamamos de situações que não fazem a mínima diferença e, como disse anteriormente,
que muitas vezes nem paramos para pensar se são realmente verdadeiras.
Até
o momento, se não fosse o fato de ser desagradável estar próximo de pessoas que
reclamam muito, o problema não parece tão sério assim.
No
entanto, Kahneman também explica um curioso efeito cognitivo, o que ele chama
de Priming Effect.
Em
um dos experimentos, os pesquisadores pediram para que pessoas ouvissem uma
gravação sob o pretexto de testar a qualidade dos headphones. Um grupo deveria
escutar acenando positivamente com a cabeça, para cima e para baixo. O outro
escutaria o mesmo áudio fazendo um gesto de negação, girando a cabeça de um
lado para o outro. A mensagem que ambos os grupos ouviram era uma gravação de
rádio. O grupo que ouviu fazendo sinal de “sim” com a cabeça foi mais propenso
a aceitar a mensagem transmitida no áudio do que o grupo que fez sinal o de
“não”.
Consigo
observar o Priming Effect atuando claramente quando
reclamamos.
Imagine-se
frequentando uma academia. Sabemos que não curte treinar, acha o ambiente ruim
e as pessoas que estão lá não combinam com o seu universo habitual. Você
passa a reclamar disso com bastante frequência, sempre que te perguntam
sobre a academia, seu feedback é acompanhado de alguma reclamação ou observação
negativa. Não é difícil que, em bem pouco tempo, sua disposição em frequentar
uma academia desapareça, dado que seu gatilho associativo é sempre ruim.
Minha
esposa frequentou a academia comigo durante um ano, sem falhas. Depois de um
tempo passamos a comentar sobre alguns problemas que observávamos e posturas
que achávamos nocivas nesse meio, o que até gerou um texto sobre o assunto.
Depois de bem pouco tempo ela desistiu completamente de frequentar a academia.
Não
é como se ela gostasse antes, mas agora, a reclamação causou efeito muito
forte. Sair de casa para treinar conflitava com o sistema automático dela, que
instintivamente entendia aquele estímulo como algo incrivelmente ruim.
Tem coisas que você não gosta, mas precisa fazer de qualquer jeito
Dentro
dessa ideia toda, é muito fácil identificar situações onde reclamamos bastante,
ao ponto onde ficamos ancorados totalmente nos aspectos negativos, resultando
numa enorme dificuldade de inciar qualquer ação.
Quando
eu decido começar uma dieta, eu sei que o processo é difícil. Penso que
gostaria mesmo era de comer aquele hambúrguer da esquina, reclamo que alface e
tomate não tem gosto de nada, que ninguém pode gostar daquilo de verdade. Ao
mesmo tempo que me ligo em perfis do instagram que mostram orgias gastronômicas
cobertas de bacon, cervejas artesanais e gente cozinhando comida com cara de
desejo. É bem fácil, agora, entender que nosso sistema cognitivo exigirá um
extremo esforço para nos manter na linha. Minha dieta vai por água abaixo.
Quando
eu evito uma reclamação, o pensamento negativo que surgiu vai embora mais
rápido, diferentemente de quando eu me expresso verbalmente.
Conversando
com alguns amigos da universidade, vi que o sentimento de que existe algo
errado nas aulas gera o impulso de contestar a situação. Esse movimento não
desaparece quando precisamos finalmente estudar para a matéria, e acaba
resultando numa resistência ao estudo. É como se estudar estivesse errado, é
como se todo aquele esforço fosse fruto do erro de outra pessoa.
O
curioso de não poder reclamar é que me tornei mais propenso a tomar uma atitude
quando me deparo com situações ruins. Quando não reclamamos, a emoção negativa
não tem vazão, fica uma certa tensão. Resta apenas nos mover para resolver ou
ir para bem longe, onde o problema não é capaz de nos alcançar.
Mesmo
que o professor seja ruim e o método esteja confuso, preciso estudar para
passar. Não tem mágica. Posso odiar ir à academia, mas se eu não for, vou
engordar, minha saúde vai piorar e vou sofrer todos os problemas relacionados.
Dieta pode ser chato, mas se você não comer direito, sua saúde será
comprometida, gostando ou não. Observando como um simples hábito afeta nossa
mente e nos deixa menos propensos a agir, podemos entender que reclamar não é -
muitas vezes - o melhor caminho. Que podemos identificar algo como ruim, mas
mastigar este problema dia após o outro não fará as coisas mudarem.
Nosso
país passa por uma crise complicada, nossa economia está indo de mal a pior,
nossa vida pessoal é coberta de contratempos e dificuldades. Temos motivos para
reclamar de praticamente todos os aspectos possíveis. Só que simplesmente
reclamar não vai fazer as contas sumirem, nosso aluguel ainda precisa ser pago,
ainda precisamos cuidar da nossa saúde, precisamos ler, estudar e fazer o
amanhã acontecer.
Falar
sobre todas essas coisas pode nos aliviar, mas aos poucos, esquecemos algo bem
importante, que precisamos nos virar em meio ao caos, independente de quais são
os contratempos.
publicado em 08 de
Fevereiro de 2016, 00:05
Também
escreve sobre assuntos variados em seu blog, conta sua experiência empreendedora no QG Secreto e
mantém um portal sobre Parkour. Ex-analista de sistemas, hoje tenta
encontrar as respostas do universo no bacharelado de física. Pode ser
encontrado no Facebook ou por email.
http://papodehomem.com.br/reclamar-habito-piora-vida-rapido-devagar-daniel-kahneman/
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