“O
vácuo quântico, de fato, é a origem do Universo. Esse vácuo quântico é
de âmbito misterioso. Nada há nele; ele nada possui, mas é um âmbito
generativo” (SOPHIA 1:20).
Brian Swimme
Matemático e cosmólogo
“Nada
é tudo; escuridão é luz; sofrimento é alegria. Como é difícil dizer
isto, a menos que se tenha feito sua experiência” 44:66.
Padre William Johnston
Jesuíta
A
palavra grega para o grande vazio original, antes da criação, é "Kaos".
Esse "Kaos" (grande vazio ou grande plenitude) criou o "Kosmos"
(aparência, véu) 62:38. Para os gregos, "Kosmos" tem o mesmo sentido que
o termo hindu Maya (ilusão ou Makyo japonês). Ambos os termos
demonstram que a Criação é uma grande ilusão oculta sobre o véu da
materialidade, que se originou de um Vazio Primordial. A filosofia
taoísta chama de Wu-chi (O Sem Cume) a esse Vazio Primordial (Cf.
"CAOS").
Outro conceito importante é que ao vazio (Kaos), o
“Nada” que originou “Tudo”, retornará novamente toda a Criação: o “Nada”
originou “Tudo” que, por sua vez, retornará ao “Nada”. Esse vazio
(shunya) é um importante conceito budista, uma meta a ser alcançada. No
Volume 1 dissemos que Michio Kaku, Paul Steinhardt e Andrei Linde
defendem a tese de que antes do Big-Bang haveria um estado de
efervescência, destituído de matéria, espaço ou tempo, onde
periodicamente, nascidos desse “Nada”, surgiriam Universos. Mas como o
“Nada” pode dar origem a alguma coisa?
Parte desse mistério
começou a ser explicado pela ciência, pelo físico Alan Guth do MIT
(Instituto de Tecnologia de Massachussets). Deve-se aqui esclarecer que
para a física o “Nada”, ou o vazio, sempre é alguma coisa, embora
destituída de matéria. Segundo ele, naquele “Nada” existente antes do
Big-Bang, haveria apenas energia de altíssima freqüência. Sabe-se hoje, a
partir da mecânica quântica, que energia pode ser convertida em matéria
a partir de súbitas variações do campo elétrico (flutuação de vácuo).
Então, provavelmente, a partir dessa flutuação ocorreu um colapso da
onda energética e as primeiras subpartículas surgiram. Esse colapso
teria gerado uma força gravitacional negativa que obrigaria, pela lei de
conservação de energia, à formação de matéria na forma de uma imensa
massa de quarks: “a energia positiva da matéria foi equilibrada pela
energia negativa do campo gravitacional”.
Mas sobre a origem
dessa energia primordial e sobre as causas dessa flutuação de vácuo e do
colapso de onda, uma grande interrogação continua. Andrei Linde chega a
afirmar que uma teoria nunca será completa se não admitir a existência
de uma Consciência Superior como responsável pela construção do
Universo. Voltamos novamente à noção filosófica do ESPÍRITO que no
início é o NADA, mas ao mesmo tempo é o TODO, pois contém, Nele mesmo,
TUDO.
Mas para entrar em contato com esse vazio não é necessário
“retornar no tempo”. Para a física ele está em toda a parte. Encontramos
o vazio no mundo subatômico quando analisamos a constituição do átomo e
vemos que ele é um vazio que contém subpartículas. Podemos sentir isso
se nos colocarmos dentro do átomo e imaginarmos que ele é apenas poeira,
girando numa órbita do tamanho da nave da catedral de São Pedro, em
Roma, e cujo centro é um grão de areia. Assim vemos a dimensão do vazio
existente dentro de um só átomo. Se toda as subpartículas, presentes em
um corpo físico humano, fossem aglutinadas, eliminando-se todo o espaço
vazio entre elas, o corpo físico humano seria do tamanho de um grão de
areia.
Assim, o moderno conceito de subpartícula não mais pode
ser comparado a um grão de poeira, pois se comporta mais como um campo
vibratório que pode assumir tanto a forma de quanta (luz) como a de
subpartícula (a “poeira”), o campo “quantizado”. Criou-se a “teoria
quântica dos campos”, em que cada partícula é um campo distinto, o qual
passa a ser a entidade física fundamental. Esse campo, também chamado de
vácuo físico, seria um meio contínuo, presente em todos os pontos do
espaço. Nele as partículas não passariam de condensações energéticas
locais desse campo (o qual, por si só, já é altamente energizado), que
surgem e somem, dando a ilusão de uma existência independente, mas
mantém contínua interação com os campos vizinhos. Matéria nada mais é
que energia congelada.
“Podemos então considerar a
matéria como constituída por regiões do espaço nas quais o campo é
extremamente intenso... [Então] o campo é a única realidade” 14:160.
Albert Einstein (1.879-1.955)
Dessa
forma o vazio quântico da teoria dos campos não é um simples estado de
“nada”, mas contém potencial de surgimento de todas as subpartículas
como manifestações transitórias desse vazio subjacente. O vazio dos
físicos é um vazio que “pulsa num ritmo sem fim de criação e
destruição”, uma entidade altamente dinâmica. Mas será que existe nesse
espaço “vazio” algo que ainda não conseguimos medir? Quantas outras
manifestações não mensuráveis, pelo menos por enquanto, ocorrem nesse
“vazio”, paralelamente ao surgimento e desaparecimento das
subpartículas. Pode-se antever, então, a comprovação do que a matemática
já viu: a existência de até 11 dimensões em nosso Universo (as p-branas
vistas no Volume 1), sustentadas pela teoria das supercordas.
De
acordo com essa teoria de campo da matéria, a realidade subjacente à
subpartícula está além da forma. À ilusão da forma, a filosofia hindu
chama Maya, e à noção do vazio, que ao mesmo tempo é vida e origem do
Universo, deram o nome de Brahman. Para o hinduísmo Brahman se tornou o
mundo através de sua Maya (mágica ou ilusão). Esse mundo “ilusório”
seria como uma grande brincadeira, a lila ou cosmodrama, em que todos
agiriam movidos pela Lei de Causa e Efeito (Karma), a qual dá a forma
cíclica e fluida da existência.
O Sefer Ha-Zohar (Livro do
esplendor) cabalista judeu diz que a Divindade suprema é a base e a
origem de todas as coisas, em todos os quatro mundos manifestados (Cf.
no Volume 1). Ele é visto como o “Nada”, como Existência Negativa, um
“ilimitado abismo de glória”.
A eletrodinâmica quântica já estuda
as relações dos campos eletromagnéticos com os campos quânticos. Albert
Einstein (1.879-1.955) passou os últimos anos de sua vida à busca da
relação entre o campo eletromagnético, o campo gravitacional e o “campo
quantizado” na sua teoria de um campo unificado 14:161.
Quando a
física chegar à definição do campo unificado, como a explicação e a
essência de todos os fenômenos do Universo, com potencial criativo
infinito, teremos chegado à noção do Brahman hindu que é o mesmo Tao
chinês, o mesmo Dharmakaya budista e o mesmo Fohat tibetano, o Senhor e
única fonte do Universo 14:161 (Cf. em DEUS, O TODO; no Volume 1), ou
teremos chegado apenas à compreensão de uma das manifestações Dele, no
nosso Assiah (Mundo da Matéria dos cabalistas):
“O Tao do Céu é vazio e sem forma” 14:161.
Kuan Tsé (VII a.C.)
Desse
modo, é do vazio físico que todas as manifestações surgem e é nele que
todas desaparecem. Duas maneiras de existir, uma ativa e uma passiva.
Forma é vazio e vazio é forma. Por serem manifestações transitórias do
vácuo, nada manifestado pode ser considerado individual. Esse tipo de
energia existente no vácuo, que ora se dispersa e ora se condensa, a que
os físicos chamam de campo quantizado, os chineses chamam de Ch’i. O
significado literal de Ch’i manifesta conceitos de “éter” ou “gás”.
Dessa forma podemos correlacioná-lo com o sopro vital bíblico que anima o
homem, o fluido universal de Allan Kardec (1.804-1.869), o ki japonês
ou o Prana hindu, presente em todo o espaço e “animando” todas as formas
visíveis transitórias. Será que o conceito de “ser vivo” e “ser
não-vivo” se correlacionaria com a quantidade de Ch’i, ou energia de
campo quântica presente na forma manifestada?
“O Grande
Vácuo [Wu Chi] não pode consistir senão de Ch’i; este Ch’i não pode
condensar-se senão para formar todas as coisas e essas coisas não podem
senão dispersar-se de modo a formar o Grande Vácuo”14:163.
Chuang Tsé (IV a.C.)
“Forma
é vazio, vazio é na verdade forma. Vazio não difere da forma, a forma
não difere do vazio. O que é forma é vazio; o que é vazio é forma”
14:164.
Prajna-paramita-hridaya sutra – escola budista Mahayana
Os
budistas entraram de forma profunda no conceito de “vazio” (shunya).
Buda, no seu Sutra da Sabedoria e Perfeição, deu seus ensinamentos
acerca dele. A interpretação desses ensinamentos tem diferenças, de
acordo com a escola de pensamento filosófico. Por exemplo, para a escola
Madhyamika, entender o vazio significa entender que nenhum fenômeno
observável pode ter uma existência inerente e tudo o que existe não tem
existência independente, ou seja, todos os fenômenos e objetos são
ilusórios e irreais. Em outras palavras o real (vazio) é tudo aquilo que
é independente, que existe por si mesmo, do contrário é irreal,
dependente e ilusório.
Entrar no vazio seria vivenciar a natureza
real subjacente de todos os fenômenos, experimentar o Silêncio. Então o
“vazio” não é um vazio, mas está “cheio” com algo (alguma forma de
energia vibratória) que preenche essa realidade. A natureza final das
coisas seria, então, esse “nada”. Para essa escola budista, essa é a
Verdade final, em contraste com a verdade convencional que afirma que as
pessoas e as coisas existem independentemente. O Zen tem como meta a
busca desse “vácuo”, dessa paz, desse “abismo de glória”, experimentar
mentalmente esse vazio: um estado ampliado de consciência. Se o vazio é a
realidade e o presente idem, como visto anteriormente, vivenciar e
sentir o presente é penetrar no vazio, ou ao inverso, penetrar o vazio é
vivenciar e sentir conscientemente esse eterno presente.
Os
místicos católicos, bem como de todas as tradições, falam de vazio,
escuridão, vácuo e nada, palavras que sugerem total negatividade, mas os
descrevem com um colorido todo especial de alegria, beleza e riqueza.
Mestre Eckhard (1.260-1.328), monge dominicano, o chama de Treva Divina
superessencial (SOPHIA 1:20). O Vazio é o Silêncio onde a Palavra de
Deus vibra e mantém o Universo ilusório.
“Uma palavra
disse o Pai, que foi seu Filho [o Verbo] e esta Palavra o Pai a diz no
eterno silêncio e em silêncio é preciso que pela alma ela seja ouvida”
87:18.
São João da Cruz (1.540-1.591)
“Se não fosse a Sua presença sustentadora, todas as coisas cessariam de existir e cairiam no Nada” 12:44
Madre Teresa de Calcutá (1.910-1.997)
É
possível pensar que o vazio existe, mas, segundo o XIV Dalai Lama, o
próprio vazio não tem existência independente. O vazio também depende de
alguma coisa, pois é um aspecto de todas as coisas observadas. Dessa
forma, se o vazio não tem existência independente, ele não é real e
existe um vazio do vazio que teríamos que perceber 28:164. Se
continuarmos esse raciocínio indefinidamente, poderemos inferir que a
Verdade final é a ausência de uma natureza absoluta independente 28:166.
Podemos
usar uma metáfora intelectual para se ter uma idéia dessa outra
dimensão da existência, onde todas as coisas estão interligadas, da qual
não temos consciência. Pense que você é uma pequena gota, da superfície
de um imenso oceano. Enquanto na superfície, você vivencia todas as
tormentas a que essa superfície está sujeita: torra de calor quando ao
sol, congela de frio com os ventos noturnos, é jogado de um lado para o
outro, ao sabor das tormentas que lhe atingem, e a todos os seus amigos
da superfície, e se resigna a essa sua sorte como a única realidade
existente. Mas um colega seu, por acaso, numa dessas tormentas foi
jogado um pouco para o fundo e teve um vislumbre de uma dimensão em que
uma profunda paz é a realidade e conclui que a superfície é apenas uma
ilusão. Esse seu amigo passa a viver aquela paz, se torna uma “gota
estranha” no mundo da superfície, a quem nenhuma atribulação da
superfície atinge ou a torna infeliz. Assim, ela conta a uma outra
gotinha o que observou no lapso de tempo em que esteve submerso. Essa
gotinha, por seu próprio esforço e após anos de tentativas, consegue
submergir e comprova, por si mesmo, que aquela realidade existe de fato,
e dá o seu testemunho ao reino das gotinhas. Mas você não acredita,
simplesmente porque a quase totalidade das gotas da superfície não
relata o mesmo e porque você mesmo nunca experimentou essa realidade.
Você as chama de malucas ou místicas.
O oceano é o vazio físico e
religioso, um “nada” cheio de “tudo”. Aquelas gotas tiveram um
vislumbre mental do “vazio”, ou em outras palavras, tiveram uma
experiência mística. Na linguagem das religiões: o pangree africano, o
Samadhi hindu, o Sanmai (grande fixação) zen-budista, o nirvana ou jhana
budista, o Daat judeu hassídico, o êxtase contemplativo cristão
(contemplação infusa), o fana muçulmano, a percepção transcendental da
meditação transcendental, a turiya da kundalini-yoga, a superconsciência
de Sri Aurobindo (1.872-1.950) e de Paramahansa Yogananda
(1.893-1.952), a Grande Imobilidade dos taoístas, etc.. Enfim, como
gota, a sua individualidade dura o exato lapso de tempo em que você
salta da superfície, após o que você novamente é incorporado ao oceano.
A
existência é, então, uma grande teia cósmica energética em que tudo o
que pode ser chamado de individualidade está, de alguma forma, separado
do Real (do Vazio) e que falar de Vida só faz sentido quando se tem em
mente a unidade de todas as coisas na Grande Teia Cósmica da Vida Una.
Toda individualidade é impermanente e ilusória.